Bruma
2019
Barros & Bernard • Lisboa
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Desejado
É algo de que não tomamos consciência, que está lá. Apenas está. Não fosse a sombra, a nossa sombra, a maior prova da própria existência que temos. Não se nega. Sem sentirmos, perene, não engana. Nem trai. Não abandona, não sossega nunca o corpo que avança, que luta, que mexe, aperta e abraça, sobe e deita sobre a terra, que cai e ergue. De novo. Linhas que se cruzam quando tomadas pelo movimento de uma mão que puxa, transparências sobre transparências, olhar perdido no detalhe. E mergulha. Porque espera outra sombra, a de outro alguém.
Novembro. Luar coberto, a ameaça do frio, as cortinas que ocultam, furtando-se a curiosidades alheias. É quase irresistível, o desejo de descobrir o vulto que se aproxima, nas penumbras, no contraste da luz, doce, nevada, que se derrama entre os prédios. Cada momento de espera tem esse efeito, o de aumentar o desejo, o medo, ou o irracional que nos tornar mais frágeis, a cada momento que passa. Espreitar de novo, mais uma vez, enquanto se espera, tateando, tocando, afastando o que tapa e não deixa olhar.
Vem ou não, vem.
Ou não.
Vem.
Há uma expressão contínua e tão própria da sua pintura que João Freire trouxe à sua sexta exposição individual. Mudança após mudança, os tons que ficam mais ou menos distantes, e onde há uma presença. Marca distintiva que se afirma. Impressão digital do autor. Como sempre. Só que, agora, com duplos sentidos. Jogo de luz. Não é sombra, é bruma. Será que vi bem? Recomecemos.
António Diegues Ramos